27 de fev. de 2012

Promessas não cumpridas


- Quando é seu aniversário?
- Eu já te falei.
- Mas fala de novo!
- Para você esquecer?
- Para eu lembrar.

(...)

Para muitos, só um dia normal. Mais um. E ainda acho que eu deveria pensar como a maioria. Mas amanheci diferente, meio esperançosa de algo. Na verdade, estou atolada de trabalho, a casa clama por uma arrumação e parece que tenho cada vez menos tempo para mim, para tudo. Mas, não, não. Não é tão grave assim. Hoje eu tô um tanto mais exagerada também. Me preenche essa sensação auspiciosa, ainda que o momento seja tudo, menos perfeito. Aliás, eu nem deveria estar reclamando. E não estou, juro. Eu tenho casa, trabalho e... família, amigos, livros, viagens, histórias legais para contar. Me encontro aqui em frente ao computador, tentando finalizar esse projeto que já deu tanta dor de cabeça. Curioso como as idéias nunca aparecem antes da maldita dor de cabeça. Mas veja você, nos últimos meses tenho sido invadida por conceitos demasiados românticos. O que eu dispenso em assuntos profissionais. E eu sei que isso advém de uma expectativa imensa pelo dia de hoje.


- O problema não é o aniversário. O problema é se você vai se lembrar de mim.
- Por que você diz isso?
- Você acha que nós estaremos juntos até lá?

(...)

Essa inquietação boba foi o dezembro incrível que me marcou. Ainda bem que sou resistente. No exercício da rotina, eu ainda consigo encontrar uma paz branda que me move adiante. E o pessoal fez questão de me levar para comemorar depois do batente. Meus amigos compõem boa parte dessa minha força. Bem agora estou rodeada de serezinhos confiáveis e loucos. São poucos, porém preciosos. Eles nem imaginam que a minha mente está em algum lugar onde a primavera sorri. Mas é inevitável pensar naquele rapaz. E se ele soubesse que eu continuo usando aquele sabonete só porque ele gostou do perfume, e que eu experimentei aquele corte mais reto só porque ele dizia que combinaria comigo? E se ele soubesse que eu continuei esperando?


- Não sei. Eu só quero que você sinta que é importante.
- E sou?

(...)

Sim. Eu sou feliz. Não duvide disso. Não veja mal humor ou vestígios de depressão aqui. Só queria algo que o trouxesse para perto. Que fizesse essa saudade fazer sentido, pois de nada adianta sentir falta se não estiver disposto a exaurir o afastamento. E dessa vez não serei eu a abrir mão, mesmo querendo me sentir importante para ele. Como ele prometeu. Então, essa é a 46871313168468ª vez que olho para o celular por uma mensagem que não chega, uma chamada que não me congela até os ossos. E me vejo agora na cena célebre do filme 500 Dias Com Ela, quando a expectativa não corresponde à realidade. Mas continuo com o whisky na mão, sorriso torto no olhar e ele no pensamento. Tudo ao redor é como tem de ser. E essa espera, no final, é só vontade. O telefone não tocou e eu já nem me lembro como a conversa termina.

f.

25 de fev. de 2012

Meu adeus ao Gabriel



Quando eu conheci o Gabriel, ele estava em outra e eu também. Mas éramos colegas de classe, então passamos a nos ver todos os dias. O Gabriel sempre chamou a atenção com o seu estilo despojado e um humor inteligente. Ele parecia falar com todo mundo, menos comigo.

Um dia eu estava na biblioteca com umas amigas pesquisando para um trabalho em grupo e o Gabriel apareceu. Ele ficou com sua equipe numa mesa próxima, e ao final das atividades a gente já tinha se juntado pra bagunçar baixinho. O Gabriel sentou ao meu lado. E nós conversamos pela primeira vez. Isso não mudou muita coisa entre nós. Agora a gente se cruzava nos corredores e se cumprimentava. A essa altura eu já estava na do Gabriel, mesmo que ele ainda estivesse em outra.

Semanas depois, nos encontramos em uma festa. Falamos-nos brevemente e depois disso não o vi mais. No dia seguinte, me disseram que ele passou um bom tempo me procurando na festa. Meu estômago começou a soltar fogos de artifício.

Arquitetei um plano para me encontrar com o Gabriel sem que ele soubesse do meu interesse. O plano deu certo e fomos ao cinema. Foi lá então o nosso primeiro beijo. O beijo mais doce que eu já recebera. A partir daí, não nos desgrudamos mais.

No 12 de junho, o Gabriel me pediu em namoro. E eu soltei um não bem no meio da cara dele. O Gabriel queria namorar e eu não sabia o que queria. Ele pagou a conta e pediu um táxi para mim. Voltei para casa chorando e sozinha, mas pro Gabriel foi pior. No dia seguinte, conversamos sobre o ocorrido e concordamos em não rotular a nossa relação. Com o passar do tempo, eu percebi o quanto o Gabriel era especial. E logo desejei ser a sua namorada. O segundo pedido de namoro foi feito por mim.

O Gabriel me olhou sem entender e começou a rir da minha cara. Nós estávamos oficialmente namorando. Ele cuidava de mim e me fazia crer em todas as bobagens piegas dos namorados. Nós saíamos pelas ruas sem destino, trocando pedaços das nossas vidas e sendo felizes por estarmos juntos. No meu aniversário, o Gabriel me mandou flores e me levou para jantar. Ele conquistou o apreço do meu pai e virou o novo filho da minha mãe. E eu comecei a achar que não podia mais viver sem o Gabriel.

Nós vivemos sonhos por um bom tempo. Até que o Gabriel mudou de personalidade. Ele não quis conversar, nem me explicar o que estava acontecendo. E eu tive que ser paciente e dar espaço para ele. No final, o Gabriel não queria mesmo continuar comigo, e nos separamos. Entrei em estado letárgico. E quem costumava afirmar com convicção, no início, que não combinávamos, se surpreendeu ao saber que não éramos mais casal.

Passei pelas mais melosas canções de amor até chegar à página do Gabriel na internet. Ele dizia estar à procura de alguém para amar. Esse alguém não era eu. Em uma segunda visita, o Gabriel já havia encontrado. Então, tudo fez sentido. Ele me enganara, havia olhado nos meus olhos e mentido sobre suas razões.

O pior era ter que conviver com o Gabriel, por causa das aulas. Eu passei então a ser torturada diariamente. O Gabriel havia se tornado o meu melhor amigo, o meu melhor namorado, e agora nós agíamos como dois estranhos. O pior de ter o Gabriel foi ter que perdê-lo depois. E com todas as coisas que ele me fez, eu ainda gostava dele.

Passei um tempo amando e odiando o Gabriel simultaneamente. Aprendi um monte de coisa que ele nem imagina que me ensinou. O Gabriel me deixou vulnerável por um tempo, mas tudo que ele causou me fez forte. Eu descobri pessoas que se importam comigo de verdade. Aprendi a sorrir em plena guerra e a sair vitoriosa. Passei a exercitar a cautela para não mergulhar de cabeça no chão. E entendi mais sobre a dialética de liberdade e sobre a vida. O Gabriel foi um grande professor e quando percebi isso passei a lembrar dele, não por sua traição e desonestidade, mas por gostar de poesia e não sentir a necessidade de rir quando os outros riam.

Hoje o Gabriel me apareceu de dentro de uma gaveta, selado em uma caixa que eu nem tinha lembrança de ter mantido. Eu rasguei o Gabriel porque não fazia o mínimo sentido deixá-lo ali. Rasguei-o, não com mágoa, não com raiva, não por vingança. Rasguei porque ali não era mais lugar pro Gabriel ficar. Porque ele já cumprira o seu papel na minha vida e eu sei que virão outros como ele, para me instruir sobre tantas outras dores e alegrias. Fechei a gaveta e apaguei a luz como se nada tivesse acontecido. O Gabriel não voltaria mais.

f. 

24 de fev. de 2012

Assuntos inacabados



O que de você está em mim, pulsa em mim com cada batida do coração. Escorre esse sentimento por cada veia, vaza esse desejo em cada poro. Porque tudo é você. O personagem da novela que tem o seu nome, a notícia no jornal sobre a sua cidade, sua banda favorita que eu aprendi a adorar, o imperativo que de tanto você repetir passei a usar. E até quem sabe que o “nós” existiu entre a gente, sem querer, inventa maneiras de te trazer a tona. Só isso basta para me aborrecer. Por que sempre que eu estou fechando a porta você coloca o pé para entrar? Nós tivemos uma história curta daquelas que se lembra pro resto da vida, mas estar com você era tão solitário, às vezes. E chegou um momento, eu estava mesmo vivendo tudo sozinha. Bem, não havia outra escolha senão me dar a preferência. E ainda esperei você mudar de idéia, uma vez que a prioridade era toda sua. Até hoje me pergunto o porquê de não te deixar morrer em mim. É algo que está preso nas minhas necessidades e extrapola a minha força de vontade. Certamente, você se transformou em um desses assuntos inacabados do qual só o esgotamento natural me faria sentir completa. Então, quem sabe mais tarde você resolve me levar a sério e reaver a melhor parte de mim. Ou não. Não vou me descabelar porque você não me quer, mas estou pensando desesperadamente em me abandonar por uns tempos. Pelo menos, até você passar.

f.

13 de fev. de 2012

Sobre algumas partidas



A gente nunca imaginaria que aquela seria a última vez que nos veríamos. E como seria possível? Não é pra compreender. A vida acontece e ponto. Sua antagonista, também. Pode correr em ciclo, ou pode seguir em linha reta (você elege a opção que te convém acreditar). A verdade é que ninguém ta preparado, a gente nota ao chorar pelas pessoas que menos se espera. Simples demais. Triste demais.
A gente não viveu muitas coisas e não disse muitas coisas um ao outro. Mas eu me lembro de algumas micaretas, copas e réveillons, e sei que você levava o sorriso para onde quer que fosse e o dividia sem quaisquer restrições.
Outro dia o vizinho da frente também foi embora, por escolha própria, sabe. É claro que sabe. Mas, fico pensando, se tivesse como, você teria ficado? É que ta feio demais por aqui, não é? Todo mundo deixando todo mundo. Mas as pessoas ainda valem a pena no meio desse caos.
O que passa rápido de mais, de repente, ganha uma importância gritante, e a gente nota o quanto o tempo é insuficiente. Se a gente deixa de ser egoísta, fica mais fácil aceitar as decisões do destino. Só que sempre fica aquela pedrinha incomodando, afinal não haverá mais encontros ao acaso ou acenos de até breve. A partir de agora tudo vai estar um pouco diferente. Então não adianta mais olhar pro lado e esperar você aparecer na calçada, sempre vestido de alegria, certo?
É. Ainda tô assimilando esses últimos acontecimentos e juro que não vou te julgar por ter se afastado. É que ver as pessoas indo embora desse jeito, irreversível, é estranho e é assustador. Porque chegará um dia, eu vou acordar e perceber que já não recordo tão bem do som da sua voz ou das suas expressões. Mas ninguém tem noção da falta que o outro pode fazer. Até fazer. E faz.


f.

10 de fev. de 2012

Supera


Ai, menina, você está assim há tempo demais. Já é hora de variar, ordenar aquela faxina e se livrar de tudo o que não presta. Você sabe que não vai fazer nada sozinha. Levanta daí e toma uma iniciativa. Escolhe a vida, menina! Enquanto ela ainda torce por você. Usa essa tua coragem recolhida, essa força mofada. Procrastinar as razões não vai te levar a nenhum lugar. Experimenta se desfazer dessa dor, você não precisa mais disso. Esvazia do armário todos esses sentimentos pobres, são roupas velhas que você não vai mais usar. Pratica o desapego que o contrário disso enlouquece. Abnega qualquer culpa, supera a amargura. Destruição também é mudança. E olha pra frente, menina. É pra lá que a vida te chama. E é pra lá que você tem de ir.

f.

9 de fev. de 2012

Uma fé infinita...

Isso que se esvai, que não acontece, que brinca de se esconder, que se confunde, que se desperdiça, que não se entende, que não se vê, que não se acha, que se faz de difícil, que dói na gente, que faz joguinhos, que mente, que não olha nos olhos, que se cala, que se fecha, que aprisiona, que não anda junto, que muda de idéia, que joga na cara, que não se compromete, que conta vantagem, que não sente a falta, que não perdoa, que não enobrece, não pode ser amor, Meu Deus. Não é!

f.

Ânsia


"E quero brincar de esconde-esconde e dar minhas roupas para você e dizer que eu gosto dos seus sapatos e sentar nos degraus enquanto você toma banho e massagear seu pescoço e beijar seus pés e segurar a sua mão e sair para jantar e não me importar quando você comer minha comida e encontrar você no Rudy e falar sobre o dia e digitar suas cartas e carregar suas caixas e rir da sua paranóia e te dar fitas que você não vai ouvir e assistir a belos filmes e assistir a filmes horríveis e reclamar do rádio e tirar fotos de você quando você estiver dormindo e levantar para te levar o café e pãezinhos e geléia e ir ao Florent e tomar café à meia-noite e deixar você roubar meus cigarros e nunca achar os fósforos e contar pra você sobre o programa de TV que eu vi na noite passada e te levar ao oculista e não rir das suas piadas e querer você de manhã mas deixar você dormir mais um pouco e beijar suas costas e acariciar sua pele e dizer quanto eu amo seu cabelo seus olhos seus lábios seu pescoço seus peitos sua bunda sua

e sentar nos degraus e fumar até seu vizinho chegar em casa e sentar nos degraus e fumar até você chegar em casa e me preocupar quando você estiver atrasada e me surpreender quando você chegar mais cedo e te dar girassóis e ir à sua festa e dançar até não poder mais e me desculpar quando eu estiver errado e ficar feliz quando você me perdoar e olhar suas fotos e querer ter te conhecido desde que você nasceu e ouvir sua voz no meu ouvido e sentir sua pele na minha pele e ficar assustado quando você estiver zangada e um de seus olhos ficar vermelho e o outro azul e seu cabelo cair para a esquerda e seu rosto parecer oriental e dizer para você que você é linda e te abraçar quando você estiver ansiosa e segurar você quando você se machucar e querer você toda vez que eu te cheirar e te ofender quando te tocar e choramingar quando estiver do seu lado e choramingar quando não estiver e babar nos seus seios e cobrir você de noite e sentir frio quando você tirar meu cobertor e calor quando você não tirar e me derreter quando você sorrir e me acabar por completo quando você gargalhar e não entender por que você acha que estou te rejeitando quando eu não estou te rejeitando e pensar como você pôde achar que alguma vez te rejeitei e pensar em quem você é e te aceitar de qualquer jeito e te falar sobre o garoto da floresta encantada que atravessou o oceano porque te amava e escrever poemas para você e pensar por que você não acredita em mim e sentir tão profundamente que eu não ache palavras pra expressar esse sentimento e querer te comprar um gatinho do qual eu teria ciúmes porque ele teria mais atenção do que eu e deixar você ficar na cama quando você tiver que ir e chorar como um bebê quando você finalmente for e me livrar das pontas e te comprar presentes que você não queira e levá-los de volta e pedir para você casar comigo e ouvir você dizer não mais uma vez mas continuar pedindo porque apesar de você achar que eu não estava falando sério eu sempre falei sério desde a primeira vez que te pedi em casamento e vagar pela cidade achando que ela está vazia sem você e querer o que você quer e achar que estou me perdendo mas saber que estou seguro quando estou com você e te contar o que eu tenho de pior e tentar te dar o que eu tenho de melhor porque você não merece nada menos do que isso e responder suas perguntas quando eu preferir não responder e dizer a você a verdade mesmo quando eu realmente não queira e tentar ser honesto porque eu sei que você prefere assim e achar que está tudo acabado mas agüentar por mais dez minutos antes de você me jogar fora de sua vida e esquecer quem eu sou e tentar ficar mais próximo de você porque é lindo aprender a te conhecer e vale a pena o esforço e falar mal alemão com você e falar hebraico pior ainda e fazer amor com você às três da manhã e de alguma forma de alguma forma de alguma forma expressar um pouco deste esmagador embaraçoso interminável excessivo insuportável incondicional envolvente enriquecedor-de-coração ampliador-de-mente progressivo infindável amor que eu sinto por você."

[Trecho da peça "Crave",  de 1998]
Sarah Kane

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