Acabei de
desligar o telefone, arrependida de minha boca ter calado o óbvio. É que eu
ainda não aprendi a censurar o meu orgulho quando ele brinca de imperar a minha
sensibilidade. Você deveria saber que eu fui criada como filha única, mesmo não
sendo, e esse descuido foi suficiente para refletir na forma como eu gosto de
ser tratada. Eu bem sei que a sua alma livre não se prende a certos padrões de
posse, mas, às vezes, essa tentativa de monopólio é a única coisa que me resta
para me fazer sentir segura quando você insiste em permanecer longe. Deixa isso
para o tempo. Se eu pudesse, pedia para ele nem passar por nós, ou pelo menos pra
ele passar longe e desatento pra vida passar a ser suficiente. Igual a quando a
gente ta junto e tudo, tudo, tudo tem cheiro e cor de infinito. Mas parece que a
garganta engole o discurso e o inconsciente mina a lucidez. Desculpa se eu não
consigo falar das coisas boas. Eu me ponho para fora é nesses estados tolos de
dores eloquentes e desnecessárias. É que eu me armo com palavras idôneas,
outras dissimuladas, para me expor da forma mais dilacerante possível. E torço
para você não ver, para você não ler esses pensamentos desmesurados e
desconcertantes. Para você não saber que a minha loucura é maior que o disfarce
que me veste como normal aos olhos dos outros e até para você, que depois de
tantos transtornos causados por mim, permanece convicto na ideia de dividir a
casa quadrada comigo. Agora diz, como fazer pra não surtar quando os planos não
saem como a gente imagina? Eu sou drástica, sou trágica, é verdade. Mas o que
você não entende é que o que eu já perdi nessa vida me deixou a sensação de que
se eu tiver de passar por tudo de novo, talvez eu não sobreviva. E eu preciso
viver enquanto você estiver ao meu lado. Então agora você já deve imaginar qual
é o meu medo, não? É o que estou sentindo agora pela minha boca ter calado o
óbvio.
f.