"[...] Te desejo uma fé enorme, em qualquer coisa, não importa o quê, como aquela fé que a gente teve um dia, me deseja também uma coisa bem bonita, uma coisa qualquer maravilhosa, que me faça acreditar em tudo de novo, que nos faça acreditar em tudo outra vez, que leve para longe da minha boca este gosto podre de fracasso, este travo de derrota sem nobreza, não tem jeito companheiro, nos perdemos no meio da estrada e nunca tivemos mapa algum, ninguém dá mais carona e a noite já vem chegando."
Parou para observar o cenário. Nulo, vazio. Havia andado por horas, talvez quilômetros. Solto com o vento, seus pensamentos o levaram para qualquer lugar. Havia se perdido dentro daquela dor, e embora não fosse de seu feitio sentir medo, estava cheio dele, dos mais profundos, dos mais covardes. Estava só. Por dentro e por fora. Tanto se entregara àquelas sensações, e a cada lembrança vivida, que agora não sabia como limpar a tatuagem em seu corpo, mais que isso, em sua alma. Era como uma tortura. “O que ser sem você?”, pensava, já que era tudo com ela. E seu dia nublado passou a contrastar com o dia ensolarado dos outros. E daquele olhar taciturno saíram lágrimas que gritavam desespero e inconformismo. Mais uma vez quis buscar as respostas. Mas o céu continuava azul, as pessoas ainda seguiam apressadas e automáticas as suas rotinas e o trânsito ainda era barulhento. E milhares de outros acontecimentos que seu cérebro simplesmente ignorava se sucediam naqueles segundos. E ninguém parecia se importar com o que estava acontecendo. Por que não se rendiam a sua tristeza? E por que deveriam? Apesar de parecer alcançar todos os limites geográficos, aquela dor era só dele. Mesmo assim, achava que o mundo inteiro merecia conhecer a sua história. Deus, como amara aquela mulher! As suas loucuras, sua sabedoria, sua respiração, seus traços doces e simples, seu sorriso que significava o ocaso de toda e qualquer chateação. Em troca, os seus melhores sorrisos, ele guardava para ela. Admirava a sua força e por ela ser a sua o medo lhe era obsoleto. Lembrou-se de certa conversa, quando uma vez tiveram que se separar. Uma frase que ela declarou e jamais foi capaz de esquecer: “É quando você não está que eu te amo mais”. De alguma forma, isso fazia todo o sentido. Ainda bem que ela existia, mas isso não era suficiente. Não! Ainda bem que ela existia e que fora feita para ele. Sabia pelas horas em que seus olhares se tocavam, na forma como suas mãos eram hábeis em se expressar, quando seus corpos pulsavam o mesmo ritmo e seus pensamentos se confundiam. Agora seu coração ferido tentava silenciar todos aqueles pedaços de extrema felicidade que insistiam em sobreviver, porque agora eles pertenciam ao passado e não eram mais dele. Um raro momento quando a felicidade envia o sofrimento ou quando a pessoa se perde de vez dela. Por muitas vezes, como um ritual quase diário, se encontraria andando por aí sem rumo, tentando descobrir os motivos pelos quais as pessoas ainda sorriam e se perguntando a quem daria os seus melhores. E olhava para o nada, lembrando daquelas palavras proferidas numa última conversa por telefone, sentindo-as à flor da pele: “É quando você não está que eu te amo mais”. Duraria um tempo para entender o propósito de tudo aquilo.
Rosie,
Estou voltando para Boston amanhã, mas antes de ir gostaria de
escrever esta carta. Todos os pensamentos e sentimentos que têm estado
borbulhando dentro de mim estão finalmente transbordando desta caneta e
deixo esta carta para que não se sinta como se a estivesse pressionando.
Compreendo que vá precisar de tempo para se decidir a respeito do que
estou prestes a dizer.
Cei o que está acontecendo, Rosie. Você é minha melhor amiga
posso ver a tristeza em seus olhos. Cei que Greg não está fora trabalhando
no fim de semana. Você nunca conseguiu mentir para mim, sempre foi
horrível nisto. Seus olhos a traem de tempos em tempos. Não finja que tudo
está perfeito, porque vejo que não está. Vejo que Greg é um homem
egoísta, que não faz absolutamente idéia da sorte que tem, e isto me deixa
doente.
Ele é o homem mais afortunado do mundo por tê-la, Rosie, mas não
a merece e você merece muito mais. Você merece alguém que a ame a cada
batida de seu coração, alguém que pense a seu respeito a cada instante,
alguém que passe cada minuto do dia apenas se perguntando o que você
está fazendo, onde está, com quem está e se está bem. Precisa de alguém
que possa ajudá-la a alcançar seus sonhos e protegê-la de seus medos.
Alguém que vá tratá-la com respeito, que ame cada lado seu,
especialmente suas falhas. Você deveria estar com alguém que possa fazê-
la feliz, realmente feliz, flutuando de felicidade. Alguém que deveria ter
aproveitado a chance de estar com você anos atrás, em vez de ter se
assustado e se amedrontado demais para tentar.
[...]Eu nunca deveria ter deixado que seus lábios se afastassem dos meus
anos atrás em Boston. Numa deveria ter me afastado. Nunca deveria ter
entrado em pânico. Nunca deveria ter passado todos esses anos sem você.
Dê-me uma chance de compensá-los. Amo você, Rosie, e quero estar com
você e Katie e Josh, Para sempre.
Com todo o meu amor,
Alex
Trecho retirado do livro Onde Terminam os Arco-Íris [Where Rainbows End, 2005], da Cecelia Ahern. Cap. 19, pág. 134.
. viver...
amar...
arriscar...
...não necessariamente nesta ordem.
3 de mai. de 2010
Ela sempre acreditou que a Felicidade se escondia em algum lugar dentro de si mesma. Ela tinha o poder de evocar essa tal felicidade quando quisesse, ela sabia. E mesmo quando a Felicidade, acanhada por si só, se recusava a se mostrar, ela tinha certeza que aquilo era temporal. Até a Dona Felicidade vivia seus dias mais reservados. Mas naquele momento, naquela determinada ocasião, ela sentia, pelo sentimento que se transfigurava em vazio, que a Felicidade não mais coexistia consigo...
A última semana foi um tanto saudosa. Milhares de sinais e detalhes que remeteram aos velhos tempos, momentos e hábitos que são congelados no passado e vez ou outra voltam à mente só para fazer você suspirar e reconhecer: “eu era feliz e não sabia” ou, no caso das lembranças não tão agradáveis na época, “depois que passa a gente ri”. Normal. Mas eu queria mais. Queria poder rebobinar minha vida e passar por tudo de novo, ou escolher um ou dois instantes da minha infância para reviver, sentir o quanto era bom. Poder assisti-los como a um clipe também já estava de bom tamanho. Queria não. Quero.
Eu quero abrir os olhos e acordar no meu antigo quarto azul. Quero ser acordada pela minha mãe trazendo a mamadeira com vitamina. Quero voltar a ter dois meses de férias no verão. Quero ir dormir depois do almoço. Quero montar a casa pra minha Barbie e depois de terminar não ter mais vontade de brincar. Quero que chegue a hora do recreio. Quero passar as manhãs assistindo a Xuxa. Quero tirar o carro da garagem com o meu pai e que ele me leve para ver ‘as casas bonitas’. Eu quero o meu pai de volta.
Quero voltar a chupar chupeta. Minha TV em preto-e-branco, a quero também. Quero os grandes almoços em família nos feriados. Quero jogar vídeo game na locadora. Quero comprar vinte chicletes de uma vez só para tirar as figurinhas para completar o álbum. Quero ir pra missa com os meus pais [mesmo não gostando de missa]. Quero inventar que estou com dor de cabeça pra não ter que ir pra igreja. Quero fazer primeira comunhão e dançar quadrilha no período junino.
Eu quero pegar sal do armário e comê-lo escondido em baixo da mesa. Quero meu caderninho de poesia e meus questionários. Quero acreditar em papai Noel e sentir o clima do natal chegando. Quero acordar e olhar em baixo da cama. Quero ouvir músicas no walkman. Quero voltar a ser a melhor amiga da minha melhor amiga. Quero que minha mãe me obrigue a tomar sopa todas as noites e quero comer papa assistindo novela com ela. Quero que meu pai me ensine a tarefa e me leve pra escola.
Quero assistir a Sessão da Tarde comendo bolacha recheada. Quero passar um mês na casa da minha irmã nas férias. Quero arengar com meu sobrinho chato [que é apenas dois anos mais novo] pelo melhor lugar pra assistir Os Cavaleiros do Zodíaco. Eu quero assistir Os Cavaleiros do Zodíaco. E a Sailor Moon. O Tim-Tim, Doug Fanny, Scooby-Doo. Quero pular na calçada, brincar de Power-Rangers e amarelinha. Quero tomar banho de chuva e depois ficar doente pra minha mãe cuidar de mim.
Quero fazer festas temáticas nos meus aniversários e chamar todos os meus amigos. Eu quero que as minhas únicas preocupações sejam minhas notas na escola e ter que fazer educação física. Eu quero voltar a ler revistas teens que me ensinam o passo a passo para o primeiro beijo. Eu quero os Backstreet Boys e as Spice Girls juntos de novo. Quero curtir as novelas mexicanas que na época me pareciam tão boas. Quero estar perdidamente apaixonada pelo meu primeiro amor novamente. Quero passar as noites ouvindo músicas românticas na rádio. Quero que volte a apagar a luz nos réveillons, assim todo mundo começa o ano ao mesmo tempo.
Eu quero passar no vestibular de novo. Quero ter 15, 18 anos de novo. E o tempo podia estagnar aí. Eu quero aproveitar a faculdade, as tardes de filosofia, sonhos e risadas com meus amigos. Quero curtir minhas madrugadas lendo romance. Minhas conversas ao telefone quando ainda nem sabia o que era um email, quero isso também. Quero ver Titanic no cinema com o meu irmão. Quero fazer filmes na cabeça conhecendo o Leonardo Di Caprio, depois o Keanu Reeves, e o Brad Pitt e o Orlando Bloom. Quero ir pro sítio aos domingos, manter contato com a natureza.
Eu quero ser irresponsável e inocente. Quero acreditar em príncipe encantado e viver em um conto de fadas. Quero planejar um grande futuro. E quero tantas outras coisas. Então, se você sabe como chegar ao passado, se sabe ao menos uma fórmula de voltar, ou tem uma daquelas máquinas, eu troco por um presente, o meu presente. Ao menos por alguns minutos, só nestes em que preciso. Se for o bastante pra você, é o bastante pra mim.