Estava dando uma geral na minha
estante [coisa que não fazia há um bom tempo] e te encontrei lá na prateleira
de DVDs. Entre filmes europeus e asiáticos e grandes diretores americanos me
dei conta de que já não nos falamos há meses. Vê se pode? Meses! Logo nós que costumávamos
nos falar diariamente. Daí eu tentei voltar aos fatos; se por descuido ou
qualquer outra desculpa feita na hora a gente se afastou sem pestanejar. Não
encontrei nada que valesse o período ausente, mas o tempo tem mesmo essa mania
de correr enquanto se está distraído, não é!
Esquivei-me mil vezes de escrever
esta carta sem a certeza de que ainda tenho o direito. Da última vez que eu
tentei contato, meio apressada, você foi um tanto evasivo e seco e eu fiquei
imaginando se não passou de uma resposta também apressada ou uma sugestão para
eu não te incomodar mais. O que quer que esteja se passando, eu gostaria de
entender os seus motivos e explicar qualquer coisa que você queira saber.
Eu sei que nem todos os meus textos
foram sobre você, nem todas as poesias rimaram com o seu nome, mas você nunca
deixou de ser importante. Você foi meu único amigo quando todos os outros sumiram
e até aceitou minhas esquisitices, mesmo reclamando, você me aceitou.
Traz uma saudade histérica lembrar
as horas sem fim de conversa fiada no meio da madrugada. Você me tirando do
sério, do sono, da solidão. Você me fazendo rir. Você brigando comigo. Você
cantando desafinado. Sua empolgação ao falar de filmes. Você me fazendo rir.
Você me obrigando a ver vídeos do Youtube. Você falando sobre futebol [tédio].
Você me explicando como é a sua mulher ideal. Você me cantando. Você me fazendo
rir, até esquecermos a lonjura, os problemas, o resto.
Eu tô é achando chato esse jeito
de levar a vida sem ter pra quem contar os caprichos. Você também não sente
falta de nada, nadinha, nadica de nada? Tirando a aposta que fizemos em nós
mesmos, não sobra nem a amizade? Você simplesmente cansou? Embora seja óbvio
que nenhum dos dois espere mais pelo outro, não cabe em você carinho e
disposição para cultivar o que ficou em comum além do desejo? Eu realmente me
recuso a crer na efemeridade dos nossos planos, porque me faz falta as suas
expressões esdrúxulas e até sua mania estúpida de superioridade. O certo é que
você sempre se preocupou comigo e sempre fez questão de dividir todos os seus
dias.
Assumo parte da culpa, assumo
também minha súbita e breve necessidade de me distrair em outros diálogos. Mas
tô aqui sem máscara, sem meandros, sem a TPM que te assombrava de vez em
quando, pra pedir pra você voltar pra minha vida, seja a conta-gotas ou como
enxurrada. Que você volte e volte a disputar comigo quem tem o melhor gosto para
filmes e séries e música e quem é o mais esperto dos dois. Tanto tempo sem as
suas brincadeiras ácidas, sem seus comentários maldosos e eu nunca pensei que
fosse querer ouvi-los outra vez. Você não combina com silêncio.
Só para constar, eu me formei,
cortei o cabelo, me apaixonei, me desapaixonei, saí do Estado, pensei em fugir
com o circo, mudei de idéia, tô fazendo pós agora e tô querendo notícias suas. Em
nome dos velhos tempos, me conta ao menos se seu sorriso tem visitado seus
lábios com frequencia, se os seus sonhos estão se realizando direitinho e se
você parou de jogar tanto vídeo game. Aí eu paro, paro de te perturbar, de agir
como intrusa quando o que você quer é apenas ficar quieto. Só preciso saber que você tá levando, que tá sendo
forte sem mim e que eu não careço mais desse coma induzido para não lembrar o
quão longe você continua.
f.