27 de abr. de 2012

Do tempo que a gente era



Estava dando uma geral na minha estante [coisa que não fazia há um bom tempo] e te encontrei lá na prateleira de DVDs. Entre filmes europeus e asiáticos e grandes diretores americanos me dei conta de que já não nos falamos há meses. Vê se pode? Meses! Logo nós que costumávamos nos falar diariamente. Daí eu tentei voltar aos fatos; se por descuido ou qualquer outra desculpa feita na hora a gente se afastou sem pestanejar. Não encontrei nada que valesse o período ausente, mas o tempo tem mesmo essa mania de correr enquanto se está distraído, não é!
Esquivei-me mil vezes de escrever esta carta sem a certeza de que ainda tenho o direito. Da última vez que eu tentei contato, meio apressada, você foi um tanto evasivo e seco e eu fiquei imaginando se não passou de uma resposta também apressada ou uma sugestão para eu não te incomodar mais. O que quer que esteja se passando, eu gostaria de entender os seus motivos e explicar qualquer coisa que você queira saber.
Eu sei que nem todos os meus textos foram sobre você, nem todas as poesias rimaram com o seu nome, mas você nunca deixou de ser importante. Você foi meu único amigo quando todos os outros sumiram e até aceitou minhas esquisitices, mesmo reclamando, você me aceitou.
Traz uma saudade histérica lembrar as horas sem fim de conversa fiada no meio da madrugada. Você me tirando do sério, do sono, da solidão. Você me fazendo rir. Você brigando comigo. Você cantando desafinado. Sua empolgação ao falar de filmes. Você me fazendo rir. Você me obrigando a ver vídeos do Youtube. Você falando sobre futebol [tédio]. Você me explicando como é a sua mulher ideal. Você me cantando. Você me fazendo rir, até esquecermos a lonjura, os problemas, o resto.
Eu tô é achando chato esse jeito de levar a vida sem ter pra quem contar os caprichos. Você também não sente falta de nada, nadinha, nadica de nada? Tirando a aposta que fizemos em nós mesmos, não sobra nem a amizade? Você simplesmente cansou? Embora seja óbvio que nenhum dos dois espere mais pelo outro, não cabe em você carinho e disposição para cultivar o que ficou em comum além do desejo? Eu realmente me recuso a crer na efemeridade dos nossos planos, porque me faz falta as suas expressões esdrúxulas e até sua mania estúpida de superioridade. O certo é que você sempre se preocupou comigo e sempre fez questão de dividir todos os seus dias.
Assumo parte da culpa, assumo também minha súbita e breve necessidade de me distrair em outros diálogos. Mas tô aqui sem máscara, sem meandros, sem a TPM que te assombrava de vez em quando, pra pedir pra você voltar pra minha vida, seja a conta-gotas ou como enxurrada. Que você volte e volte a disputar comigo quem tem o melhor gosto para filmes e séries e música e quem é o mais esperto dos dois. Tanto tempo sem as suas brincadeiras ácidas, sem seus comentários maldosos e eu nunca pensei que fosse querer ouvi-los outra vez. Você não combina com silêncio.
Só para constar, eu me formei, cortei o cabelo, me apaixonei, me desapaixonei, saí do Estado, pensei em fugir com o circo, mudei de idéia, tô fazendo pós agora e tô querendo notícias suas. Em nome dos velhos tempos, me conta ao menos se seu sorriso tem visitado seus lábios com frequencia, se os seus sonhos estão se realizando direitinho e se você parou de jogar tanto vídeo game. Aí eu paro, paro de te perturbar, de agir como intrusa quando o que você quer é apenas ficar quieto.  Só preciso saber que você tá levando, que tá sendo forte sem mim e que eu não careço mais desse coma induzido para não lembrar o quão longe você continua.

f.

25 de abr. de 2012

Quem sou eu?



De todas as dúvidas elementares não me alcança a proeza de me definir. Sou jovem de mais para alegar que já vi de tudo nessa vida. Volúvel de mais para querer me fixar em um só lugar. Mas antes de você eu tinha algumas certezas que agora desabaram. Será que mais uma vez fui ingênua a ponto de me deixar guiar pelas suas mãos inconseqüentes? Eu não quero abarcar suposições frívolas quando posso te largar em uma tomada de decisão. Mas entenda que o difícil se prende exatamente nesse ponto: sempre que resolvo desatar o laço entre a gente, eu me deparo com um nó cego. E não fui educada para ficar em cima do muro. No entanto, é exatamente assim que eu me sinto. Desliguei-me de alguns princípios, hábitos e amigos para te fazer o centro do mundo. Sufoquei minha consciência, minha intuição em troca de me permitir ser um algo a mais na sua rotina. Hoje, não me reconheço nos meus próprios traços. Não me acho, não me distingo. Sou uma crise de identidade que perambula entre uma dimensão e outra sem encontrar o caminho de volta, mas querendo, e tentando. Estou cheia de sentimentos intempestivos, esperanças moribundas e faço meus passos sem regra nenhuma. Meu sistema está quebrado e de longe percebo que não dá para continuar assimilando as mesmas razões como se ainda fossem minhas. Me perdi e me perco cada vez mais em um roteiro alheio; estacionada numa história de improviso, rodeio vezes sem fim quem sou, quem me tornei. E o que me mata é que antes eu tinha algumas suspeitas, hoje não me sobram nem cinzas.

f.

11 de abr. de 2012

Ciclos



Assumo minha incapacidade de correr adiante sem intensidade. Eu sou corpo, mas acima disso me preencho na alma. E por ser alma me alimento de sensações. Portanto, sem o devido estímulo o coração está apto a perder o alento com facilidade. É como as peças de um quebra-cabeça que simplesmente não se encaixam senão em seus próprios espaços. É como certas verdades que pelo caráter ferem, pelo desígnio destroçam. E não adianta recorrer a mentiras. Elas não curam, não aliviam, nem mudam os fatos.

Algumas coisas não fazem sentido, acho pior quando outras perdem o significado, porque é frustrante chegar até metade de uma jornada sem entusiasmo e convicção. Daí as exceções viram regras, os paradoxos se encerram e o vigor se contrai para o novo. Algumas pessoas são de insistir, no entanto, há quem desista e pronto. Mas desistir não é sinônimo de perder. Desistir também envolve abdicar do par de sapatos favorito por não caber mais em seus pés. É simples, porém exige algum desapego.

As expectativas estão sujeitas a minguarem até o ponto de se tornarem um elemento neutro na equação. Em casos menos extremos, o processo se manifesta de tal forma que, como brincadeira de criança, você só precisa de um intervalo para respirar e voltar a correr. Daí a idéia de “dar um tempo”. Serve para recuperar energias, redefinir prioridades, examinar escolhas e tecer novas estratégias. Só não aconselho usar o padrão em relacionamentos. Geralmente os efeitos são escassos e é inútil marcar no calendário um feriado que cai no domingo.

Das fases que nos lançam ao movimento, tem sempre aquelas que se alternam em períodos, as que se tornam pontos reticentes e outras que se aniquilam no fim. Funciona mais ou menos como a vírgula, as reticências e o ponto final em um texto. Soa medíocre se obrigar a qualquer tipo de atividade mecânica a qual não inspira nenhum tipo de satisfação e atrasa em todas as nuances as aspirações para quais jogamos nossas perspectivas. É preciso juntar a oportunidade com a vontade de fazer. Não é papel de ninguém agir feito marionete e é tentando soltar os fios que se chega a algum lugar. Mesmo que se leve uma vida inteira para encontrá-lo.

f.

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